Prazos.
Quem teve a brilhante ideia de inventá-los? Ele nunca gostou de
prazos. Por que tanta pressa? A vida já é rápida demais, por que
tornar tudo uma corrida? Humpf, deve fazer parte do clima da cidade e
se não faz, deveríamos ter uma conversa com um bom número de
pessoas.
Ele
acordou pela manhã e durante o café olhou a janela. Engraçado como
sempre olhamos através dela, mas nunca a janela em si. Ela fez algo
de errado? Roubou doce de alguma criancinha? Por que diabos ignorar
ela então? Era uma janela bem feia. Metal barato, sujeira e poeira.
Nada de especial, o que a tornava tão intrigante então?
Acho
que talvez fosse o fato de ter um braço pela metade pendurado nela.
Aquilo era um pedaço do osso? Urgh. Nojento. “Como um braço veio
parar na minha janela?”, ele pensou. Considero uma pergunta válida.
Ele não tinha tempo. Ele tinha prazos. Resolveu deixar o braço para
lá, assim como a janela, não fazia mal nenhum.
Checando
o celular e uma cara feia. No caso, a sua. Não falo de você que
está lendo, falo dele que precisava entregar um trabalho em 3 horas
e teve a genialidade de deixar para terminar pela manhã. Prazos. Ele
odiava prazos. Sentou-se em frente ao computador e após 134 suspiros
resolveu começar. Google. Wikipedia. Editor de Texto. Click. Click.
“Que som irritante”, ponderou ele sobre o mouse. Mouse. Rato.
Odeio ratos. Espera.
Bum.
Pareceu genérico, mas todo mundo sabe que um transformador
explodindo tem um barulho bem característico, até porque as coisas
desligam. Ele andou até a varanda. Sentiu uma leve brisa. Um cheiro
de queimado pelo ar. Fumaça. Fogo. Que interessante, a fiação
pegava fogo. O prédio também. Uma leve labareda subia pela coluna
do velho edifício. Ah, assim que é um incêndio então.
Um
estalar da chama o acordou do transe. Rápido. Quarto. Mochila.
Roupas. Computador. Celular. Carregadores. Livros. Espera, quais
livros? Todos? Impossível. Sem discriminação. Queimem todos. Tirar
camisa. Colocar o coldre. Pegar as facas. Arma. Munição. Vestir-se.
Correr. Precisa trancar a casa? Hm, o vizinho gordo sempre ficou de
olho na minha Tv. Trancado. Ai, o gordo bateu em mim. Todo mundo
correndo. Gritos. Choro. Desespero. Esse vai ser um bom dia.
Descer
aquelas escadas não foi fácil. A morte tem um efeito interessante
nas pessoas. Sem proferir uma palavra, as pessoas diziam toda a
angústia e agonia em seus corações. Dia bonito. Do lado de fora,
um confuso mar de pequenas e grandes pessoas sujas de fuligem. Os
cães latiam muito. Nenhum gato a vista. Gatos são legais. Ele foi
embora antes dos bombeiros. Prazos. Ele tinha um prazo naquele dia.
Ele tinha que morrer naquele dia.
Curti fodamente na parte do gato. Gato são maneiros.
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