Suor.
Sangue. As facadas não o acertaram exatamente, mas a proximidade dos
pontos vitais já foi suficiente para derramar uma quantidade
interessante de sangue. Ai. Ele arrebentou os pontos de dois
ferimentos anteriores e um roxo feio se exibia em sua costela
esquerda. Que dia ótimo.
A
casa de Marcus era um ótimo esconderijo. O importante era saber
porquê ele precisava se esconder. Transformadores não colocam fogo
em prédios. O relatório dos bombeiros demoraria a sair, mas ele
provavelmente já havia sido comprado. Saco. Ele só queria cumprir o
prazo e morrer naquele dia.
Ele
demorou um bom tempo consertando os pontos e fazendo curativos. Ouch.
Doía a beça. Mesmo após 517 cortes, ele ainda não havia se
acostumado. Para piorar, Marcus havia sumido, fato este preocupante
dada a situação. Ótimo, que dia.
Em
tempos sombrios, não se pode descansar por um segundo ou a escuridão
o engole, a melhor coisa era achar ela antes que os impuros a dessem
o mesmo destino de Marcus. A moça era importante. Marcus era um bom
amigo, mas amigos são dispensáveis. Relações humanas se baseiam
em interesse e nesse momento a moça era mais importante.
Saiu
da casa de Marcus com o sol a pino. Calor infernal. Quem diabos gosta
de calor? Maldito clima. Que ótimo dia. Cada olhar na rua o gerava
desconfiança e atenção. Agora todos eram suspeitos. Ele nunca
imaginou que eles fossem agir tão cedo, achou que fosse demorar um
tempo até descobrirem. Todo seu treinamento estava a prova. Tudo
poderia ser perdido por um deslize. Um único erro. Bang. Morto.
Ele
realmente deveria morrer, mas não daquela maneira. Sim, sei que
parece prepotência do jovem rapaz, todo mundo morre. Igual.
Sozinhos. Ele infelizmente deveria morrer de uma maneira específica,
coisa no qual os impuros pareciam que iam se esforçar para impedir.
Pessoas. Por que tão chatas?
O
táxi deixou-o em seu destino final. A ladeira tranquila com seus
paralelepípedos antigos o desafiava e no fim da rua, uma jovem o
esperava. A casa de um amarelo desmarelado e de um azul desazulado
lhe saudava com tristeza. Ao passar pela porta, a moça o beijou com
vigor. O jogou na parede, o que dada as recentes circunstâncias
gerou dor e prazer. Numa luta sensual, os dois se entrelaçaram pela
casa e terminaram no tapete da sala, ofegantes. Ele sangrava pelos
pontos recentes e antigos. Arranhões novos o assombravam na cintura
e costas. Eu bem disse que era um ótimo dia.
Depois
de uns instantes, ela se levantou e reclamou algo sobre o aparador.
Com preguiça de abrir os olhos somente imaginou que deveria estar
quebrado novamente. Alguém já pensou em fazer móveis à prova de
sexo? As propagandas, com certeza, seriam bem divertidas. Ele rumou
ao banho e após olhar os curativos, colocou uma roupa limpa. A moça
fazia café na cozinha e cantava algo doce e aleatório. O mundo
parecia até seguro. Estranho. Seguro demais.
A
segurança e a sensação dela são conceitos bem diferentes. Uma
coisa é uma cidade segura. Outra coisa é uma cidade que te dá a
sensação de segurança. Nesse momento, a cidade não era nenhuma
das duas. O terror e medo foram instaurados de tal maneira, que
parecia não haver solução. Ele sabia que aquilo tinha que acabar.
Só tinha uma maneira e só ele poderia fazer.
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