domingo, 10 de maio de 2015

(I) Red is the new black...

Os reflexos do sol o cegavam após cada curva. A cidade rugia e ele ofegava com o cansaço e esforço da caminhada matinal. Tudo parecia tão normal e tão comum. O andar automático ao trabalho. O suor descendo pelas costas. As buzinas. Tão normal.

É surpreendente como todos estão tão calmos em meio ao caos. O caos não são as buzinas, o trânsito, o calor, é o sangue dos inocentes que todos os dias percorre as entranhas da cidade, que banha o chão e o leito de crianças.

As vezes os sorrisos, telefonemas, conversas e suspiros parecem um grande filme em câmera lenta. Eles não vêem o panorama. Eles esquecem, por mais que os jornais, revistas e a internet os tentem lembrar todos os dias. Eles são tão felizes.

Ele não confia. Nunca. De tempo em tempo, ele toca as lâminas por dentro da roupa. Se eles soubessem o trabalho de esconder aquilo. A dor que o metal frio traz a sua espinha.

Distraído nos próprios pensamentos, ele sente uma estranha figura em sua visão periférica. Quando foi que essa rua ficou vazia? Aonde estão todos? A figura não está sozinha. Como uma grande dança macabra, os integrantes se movimentam, suave e nervosamente em volta dele. Ele não está pronto.

O brilho do sol na lâmina atenta-o ao primeiro movimento. Um giro do corpo para seu lado esquerdo, um esticar de mãos e uma torção firme no pulso. Timtim. A lâmina tocou o chão. O braço direito volta como um balanço de criança em direção ao queixo do impuro. Plaft. Carne batendo em carne. Osso contra osso. O primeiro cai, mas sua visão atenta para os outros dois pulando como guepardos em direção a caça.

Com um leve assobio, o metal frio deixa seu coldre. A lâmina curva voa graciosa e se instala no peito do segundo. Dois no chão. O terceiro teve o benefício da distração dele e se instalou nas suas costas tentando estrangula-o. Lançar-se contra a parede foi a única opção para se livrar da morte. Duas pancadas foram necessárias para o terceiro soltar e o ar voltar a surfar por sua garganta.

Na tentativa de recuperar o equilíbrio, foi difícil perceber que um quarto indivíduo enfiava um pedaço de vidro em suas costelas. Atordoado pela dor, o mundo girou uma vez mais, mas em vez de um dia, durou um segundo. A segunda lâmina foi sacada de suas costas e ele se moveu tão rápido que o quarto não teve tempo de soltar uma exclamação. Uma torrente rubra descia de sua garganta.

Sem tempo de pensar sobre seus atos, ele salta ao terceiro e o finaliza com duas facadas e alguns cortes furiosos em seu âmago. Ele sente outros dois correndo. Ele ouve os gritos. Ele alcança a lâmina presa no peito do segundo e se prepara para sua dança final. O sangue escorre pela sua própria costela. Dano colateral. Sem tempo para isso.

Como se já tivesse feito isto por toda sua vida, ele dança ao redor do quinto e do sexto, dilacerando e socando numa velocidade raivosa. Ele demorou alguns segundos para perceber que eles já estavam mortos. Lágrimas desciam pelo rosto e o sangue quente dos desafortunados manchavam seu rosto.

Uma torrente de pessoas apareceram por todos os lados. Ele ficou apenas de joelhos olhando o chão. Quanto sangue. Quantas palavras. Ele não entendera nenhum dos dois. Por que eles estão tão surpresos? Não gostam de vermelho?

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