Os
reflexos do sol o cegavam após cada curva. A cidade rugia e ele
ofegava com o cansaço e esforço da caminhada matinal. Tudo parecia
tão normal e tão comum. O andar automático ao trabalho. O suor
descendo pelas costas. As buzinas. Tão normal.
É
surpreendente como todos estão tão calmos em meio ao caos. O caos
não são as buzinas, o trânsito, o calor, é o sangue dos inocentes
que todos os dias percorre as entranhas da cidade, que banha o chão
e o leito de crianças.
As
vezes os sorrisos, telefonemas, conversas e suspiros parecem um
grande filme em câmera lenta. Eles não vêem o panorama. Eles
esquecem, por mais que os jornais, revistas e a internet os tentem
lembrar todos os dias. Eles são tão felizes.
Ele
não confia. Nunca. De tempo em tempo, ele toca as lâminas por
dentro da roupa. Se eles soubessem o trabalho de esconder aquilo. A
dor que o metal frio traz a sua espinha.
Distraído
nos próprios pensamentos, ele sente uma estranha figura em sua visão
periférica. Quando foi que essa rua ficou vazia? Aonde estão todos?
A figura não está sozinha. Como uma grande dança macabra, os
integrantes se movimentam, suave e nervosamente em volta dele. Ele
não está pronto.
O
brilho do sol na lâmina atenta-o ao primeiro movimento. Um giro do
corpo para seu lado esquerdo, um esticar de mãos e uma torção
firme no pulso. Timtim. A lâmina tocou o chão. O
braço direito volta como um balanço de criança em direção ao
queixo do impuro. Plaft. Carne batendo em carne. Osso contra osso. O
primeiro cai, mas sua visão atenta para os outros dois pulando como
guepardos em direção a caça.
Com
um leve assobio, o metal frio deixa seu coldre.
A lâmina curva voa graciosa e se instala no peito do segundo. Dois
no chão. O terceiro teve o
benefício da distração dele e se instalou nas suas costas tentando
estrangula-o. Lançar-se contra
a parede foi a única opção para se livrar da morte. Duas pancadas
foram necessárias para o terceiro soltar e o ar voltar a surfar por
sua garganta.
Na
tentativa de recuperar o equilíbrio, foi difícil perceber que um
quarto indivíduo enfiava um pedaço de vidro em suas costelas.
Atordoado pela dor, o mundo girou uma vez mais, mas em vez de um dia,
durou um segundo. A segunda
lâmina foi sacada de suas costas e ele se moveu tão rápido que o
quarto não teve tempo de soltar uma exclamação. Uma torrente rubra
descia de sua garganta.
Sem
tempo de pensar sobre seus atos, ele salta ao terceiro e o finaliza
com duas facadas e alguns cortes furiosos em seu âmago. Ele sente
outros dois correndo. Ele ouve os gritos. Ele alcança a lâmina
presa no peito do segundo e se prepara para sua dança final. O
sangue escorre pela sua própria costela. Dano colateral. Sem tempo
para isso.
Como
se já tivesse feito isto por toda sua vida, ele dança ao redor do
quinto e do sexto, dilacerando e socando numa velocidade raivosa. Ele
demorou alguns segundos para perceber que eles já estavam mortos.
Lágrimas desciam pelo rosto e o sangue quente dos desafortunados
manchavam seu rosto.
Uma
torrente de pessoas apareceram por todos os lados. Ele ficou apenas
de joelhos olhando o chão. Quanto sangue. Quantas palavras. Ele não
entendera nenhum dos dois. Por que eles estão tão surpresos? Não
gostam de vermelho?
Nenhum comentário:
Postar um comentário